domingo, 12 de maio de 2013

O ESPAÇO DO CAOS




“É preciso alimentar o caos dentro de si,
 para dar à luz uma estrela cintilante.”
Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra 


O caos é associado a um estado desorganizado de matéria primordial anterior à criação de formas distintas e ordenadas. Que fique claro que estamos falando do espaço, não somente físico, mas espaço de energia  e atmosfera que incita a criatividade. Onde a burocracia e as regras inibidoras foram banidas, onde existe um fluxo contínuo de novas ideias,  que permitem um trabalho divertido e inspirador. O caos se torna matéria prima para o processo de criação.
Os pensamentos desconexos são prioritariamente valorizados e estimulados. É um espaço que se constitui nas dúvidas e incertezas do mais íntimo de nosso ser. Nossos conflitos internos, podem perambular de forma criativa e desnuda de conceitos e pré-conceitos estabelecidos.  No começo esse espaço parece ridículo e as propostas tolas, justamente por chegarem tão perto do nosso esconde-esconde diário no que tange à sociedade. É quase impossível a liberação espontânea de palavras que emergem do nosso lugar secreto, porque sempre nos habituamos a pensar no que o ser social exige de nós antes de falarmos; e quando isso nos é permitido, ficamos, a princípio, perdidos e buscando certo e errado dentro do processo criativo. 
A angústia toma conta de nós e primeiro pensamento é que não somos capazes de ser criativos. Realmente não temos essa capacidade, se tomarmos a criatividade como um Santo Graal, o que realmente não é. Olhamos novamente para o outro, queremos ser valorizados e reconhecidos pelo meio, e não nos permitimos, olhar para dentro de nós e de lá emergir ideias soltas e desconexas, não deixamos nosso caos vir a tona. 
Ao mesmo tempo que nos abrimos ao novo e o absorvemos, também espontaneamente o estruturamos. Os processos de descoberta são sempre processos seletivos de estruturação. Nossa abertura é complementada por delimitações interiores sem as quais nos desorientaríamos perante um mundo em contínuo desdobramento. Ao configurarmos o novo, o relacionamos a nós; organizamo-lo em função de nós, em função de nossas delimitações. Ainda que as delimitações sejam flexíveis, podendo estender-se junto às áreas novas da experiência, essas delimitações tem que estar presentes e funcionar em caráter de divisa, circunscrevendo e abrangendo os fenômenos, já para garantir ao menos sua percepção. Sem a capacidade de delimitar, lembramos, não seria possível ao ser humano compreender, ou imaginar, ou sequer perceber. (OSTROWER, 2004, p. 151)

Temos medo de não dar conta do que parte de nós mesmos, e quando isso nos é exigido neste espaço, sofremos, tentamos não fazer parte, não mergulhar nessa aparente loucura caótica defendendo nosso “ status quo”. Mas  a  necessidade de criar, esse impulso elementar, essa força vital nos empurra para o “buraco de Alice”[1]



Nesse próximo encontro, vamos cair no buraco.

[1] Referindo-se ao clássico Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll, de 1865.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

DESATANDO OS NÓS DO PROCESSO CRIATIVO



“Os processos de criação ocorrem no âmbito da intuição. As diversas opções e decisões que surgem no trabalho e que determinam a configuração em vias de ser criada, não se reduzem a operações dirigidas pelo conhecimento consciente.” (FAYGA, 2004).
Quando tomar decisões no trabalho? O que fazer? Como fazer? Será que vai ficar bom? E se estragar tudo? Será que o que eu acho que é bom, é bom mesmo ou só eu que acho?
Os processos intuitivos só se tornam conscientes a medida que expressamos, que lhes damos uma forma. A forma que damos a esse processo não pode ser finita, está em transformação assim como nós criadores. A percepção de si mesmo dentro do agir é um aspecto relevante que distingue a criatividade humana. Existe a necessidade do fazer, do experimentar. Do permitir-se.
A criatividade vai se manifestar e o trabalho vai evoluir quando houver permissão para o fazer. O responsável por tal permissão é o sujeito criador envolvido em seu processo. Nas palavras de Charles Watson, “...durante um tempo, você sentiu um bloqueio em seu trabalho. É como se, dirigindo, percebesse que há algo de errado no carro, sem identificar qual é o problema. Até se dar conta que o freio de mão estava puxado. Nesse momento, solta o freio e tem um alívio, o carro deslancha” (NACCACHE, 2013) e o trabalho flui.

Essencialmente, porém, no cerne da criação está nossa capacidade de nos comunicarmos através das formas. “A forma converte a expressão subjetiva em comunicação objetivada.” (OSTROWER, 2004). O trabalho flui à medida que ordenamos a expressão subjetiva e conseguimos comunicar através de algo materializado que deixa o campo das ideias e passa a existir no mundo físico e simbólico. O processo criativo como uma série de ordenações e compromissos internos e externos onde as possibilidades se tornam reais. As questões se configuram e apresentam uma nova forma, e é neste exato momento que surgem novas possibilidades. Essa forma de ver o pensamento criativo em constante evolução que se regenera por si mesmo abre caminhos para a evolução do trabalho.
Cada decisão, que se toma representa um ponto de partida, num processo de transformação que está sempre recriando o impulso que o criou.

“Quando uma pessoa tem muita convicção do resultado, deve doer mais. Agora, quando está aberta a surpresas, a andar por novos caminhos, fica tudo mais tranquilo. Há pessoas que tem certezas enraizadas. Para elas, deve ser difícil, realmente. Interessante é ser bem maleável como o ar. Porque no trabalho é preciso ir se acomodando com o que muda” (Jum Nakao).

“Então, a questão era conseguir enxergar em outra escala, ver talvez de cabeça para baixo. Quando a gente é criança, é comum pegar uma garrafa e fazer dela um caleidoscópio, por exemplo. Gostamos de ver possibilidades diferentes. Assim ocorre uma ‘sacação’, mas é preciso não ter tanta certeza. (Fernando Campana).

É neste rodamoinho de incertezas que vamos colocar nossas inseguranças e dúvidas a serviço da criatividade. Através das configurações interiores ordenadas pela forma na dialética do processo criativo obteremos novas possibilidades para o trabalho de design.

Bibliografia

CAMPANA, Fernando e Humberto. Campanas. São Paulo: Bookmark, 2003.

NACCACHE, Andréa. Criatividade Brasileira. Gastronomia, Design e moda. São Paulo: Editora Manole Ltda, 2013.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processo de Criação. Petrópolis: Editora Vozes, 2004.